São Paulo

É só marcar viagem ao Brasil que começo a ter crise existencial.
Semana passada assisti vários vídeos no youtube de estrangeiros que foram visitar São Paulo e contam suas experiências e o quanto a cidade é linda, cheia de cultura, boa comida, com transporte ótimo e com pessoas amigáveis. Uma mulher até disse que não gosta de conversar com brasileiros que tem uma visão negativa da cidade porque tudo lá é lindo e não damos valor.
Respeito a opinião destas pessoas, mas vamos concordar que a experiência de um turista na cidade é bem diferente de alguém que mora lá e tem que acordar cedo pra pegar busão pra ir trabalhar e não tem muito dinheiro pra sair "desfrutando" das belezas e coisas boas da cidade...

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Comecei a escrever este post um tempo atrás e resolvi que estava na hora de sacudir poeira daqui.
Há uma semana retornei de São Paulo, uma viagem rápida só para ver com os meus próprios olhos como estava a saúde da minha mãe e a situação do país. Acho que foi a primeira vez que quando o avião decolou de Cumbica eu chorei de soluçar. Até agora estou tentando entender o que estava sentindo naquele momento, era um misto de alívio e tristeza, revolta e esperança.
Se encontrasse um destes turistas que mencionei aí em cima, juro que dava uma sacudida na pessoa. As coisas por lá, como quem mora aí no Brasil deve saber, não está fácil pra ninguém.
Aconteceu o impeachment, agora o Lula parece que vai ser investigado por corrupção, o Cunha perdeu o cargo. Foi um bom começo mas ainda não ajudou no clima de pessimismo e principalmente preocupação das pessoas.
Tive 2 amigos que perderam o emprego, e os outros que conversei estavam preocupados com a situação da empresa e estão trabalhando por 10 sem reclamar por conta do medo do corte. Ida ao supermercado é quase uma ida a uma sessão de filme de terror: um susto cada vez que se olha os preços das coisas...
A minha mãe está indo em 3 postos de saúde diferente para poder pegar os remédios que ela precisa tomar. Agora ela toma insulina e recebeu o remédio gratuitamente, só que só deram pra ela 10 agulhas para durar 30 dias (lembrando que são de uso único e descartáveis). Dá uma revolta muito grande mesmo porque se não houvesse a maldita corrupção no país a vida de milhões de brasileiros seria muito melhor.
Sempre aproveito os momentos que estou no Brasil para observar e perguntar. Percebo o quanto as pessoas estão mudando aos poucos de atitude, comportamento e o quanto a tecnologia está cada vez mais presente. Está longe de estar perfeito, mas são pequenos progressos.  Vi ônibus com duas catracas e achei a idéia genial, assim não se perde tempo esperando as pessoas entrarem no ônibus. Achei interessante que alguns ônibus tem tomada USB para recarregar celular. Isso a gente NÃO encontra aqui. Continuo dizendo que sou fã da rede de transporte público da cidade, mas que já passou da hora de dependermos tanto de carros e ônibus para nos locomovermos. O metrô foi muito eficiente para a minha ida com o meu pai até o Corinthians Itaquera pra assistir jogo e retornar pra casa. Sério que em 1h45min nós atravessamos a cidade e um percurso de 73km, só demoramos isso porque nosso último meio de transporte era um ônibus que demorou uns 10 minutos pra sair do ponto final. O meu marido ainda sonha com o dia em que vamos pegar o metrô no Capão Redondo e chegaremos na Santa Cruz, quando a linha lilás do metrô for concluida. Eu tento explicar pra ele que demorou mais de 10 anos para construir uma estação, mas este conceito pra ele é incompreensível. Quem dera que todos pudessem usar mais metrô com segurança e qualidade né? Facilitaria e muito a vida dos paulistanos. Talvez seja um pouco da mentalidade dos moradores também, enquanto eu faria quantas baldeacões fossem necessárias para chegar rápido, a minha mãe por exemplo nunca lembrava de pegar metrô pra nada e por causa disso ficamos paradas num congestionamento gigantesco na manhã que choveu na cidade. Porque a cidade ainda pára quando chove...
Mas no meio do caos e da instabilidade econômica e política as pessoas ainda mantém alegria. Acho que se não fosse assim, como é que a gente conseguiria acordar todos os dias né? Mas acho que tem a questão de colocar o band-aid ou continuar seguindo a vida porque você não tem esperança de que pode fazer algo para mudar. Ouvi um pouco sobre os candidatos a prefeitura da cidade e são sempre as mesmas figurinhas, pra ser sincera se eu tivesse que votar, não teria a menor idéia de quem escolher. Foi bom receber calor humano e visitas inesperadas (e as vezes um pouco incovenientes), ser mimada pelos meus pais e poder brincar com os cachorros. Ouvir a minha sobrinha planejando o aniversário de 9 anos e ficar feliz pelo simples fato de eu estar ali ao lado dela desenhando. Comida fresca feito em cada ou requentada do dia seguinte, mas comida feita com muito amor (e sal) que faz uma falta grande aqui. No sábado antes de retornar fiquei observando a minha família com novos membros sentados à mesa e o mais importante ali não era o almoço e a comida não era nada especial mas sim as risadas e todo mundo falando ao mesmo tempo e querendo dar pitaco e dividir histórias e reclamar das injustas multas de trânsito e a falta de educação dos guardinhas da CET.
Esta última visita mexeu comigo porque acho que finalmente entendi que por mais que esta não seja mais a minha realidade, eu sei como as coisas funcionam e já experimentei todas estas angustias e preocupações e por isso consigo entender as preocupações e frustrações da minha família e amigos que continuam morando lá, mas para eles é um pouco mais complicado entender a minha vida aqui e os problemas que passo por aqui porque no conceito dele eu moro no paraíso e não posso reclamar de nada porque as coisas são piores por lá. O que é verdade, mas não é fácil viver numa cultura diferente, com língua e costumes diferentes. Voltei sentindo-me que enquanto não pertenço totalmente aqui, também não pertenço lá. E isso machuca demais o coração e é difícil de explicar.
Seria ótimo juntar as partes boas dos dois lugares, aí sim a vida seria perfeita, mas enquanto isso não é possível eu escolho as partes boas da Califórnia e tento lidar com os aspectos ruins. A gente nunca sabe o rumo que a vida irá tomar e quero aproveitar ao máximo o presente, porque o futuro é incerto em qualquer lugar do mundo e quem sabe pra onde a vida vai me levar?