Uma questão de privacidade

Gosto muito de ler blogs de pessoas que compartilham além de seus pensamentos e opiniões um pouco de suas vidas. Existem pessoas que acompanho a muito tempo e parece até que a gente conhece a pessoa, a cidade, sua família. Cria-se uma relação muito próxima com alguém que a gente pode até nunca ter trocado uma palavra, um comentário. E confesso que fico triste quando de repente a pessoa some da esfera e espero que um dia a pessoa retorne para dar algumas notícias. Quem nunca acompanhou um blog que sentiu a mesma coisa levante a mão.
Apesar de gostar muito de ler blogs pessoais confesso que eu não tenho CORAGEM para expor mais da minha vida pessoal.
Há uns 8 anos eu tinha um blog da época em que era au pair, interagia muito com outras meninas que estavam no processo e encontrei amigas que se tornaram pessoas muito próxima de minha vida no mundo real. Era um lugar que eu desabafava sobre as chatices que é morar com os patrões e colocava a minha opinião e experiências sobre o que estava vivendo. Era o meu cantinho e escrevia muito, quase toda semana até que um dia... bem o mundo da internet não é tão grande assim e uma menina que era amiga da minha patroa começou a ler o meu blog e começou a compartilhar o que escrevia pra ela. Pensa que você está lá num bar desabafando com tua amiga o quanto o teu chefe é um incompetente, as merdas que ele faz e aí alguém que conhece você e teu chefe vai lá e diz pra ele tudo o que você falou. Já viu o desastre né?
Então eu comecei a escrever mais esporadicamente e meio vago e aí perdi a vontade de escrever e acabei fechando o blog de vez. Lição número 1 que aprendi é: você nunca sabe quem está lendo o que você escreve e o anonimato não é tão seguro hoje em dia...
Por isso quando resolvi escrever este blog eu decidi falar o suficiente da minha vida para que não ficasse uma coisa vaga, mas também não compartilho muitas fotos e histórias pessoais, porque depois do que aconteceu com o primeiro blog eu fiquei pé atrás. Algumas pessoas pedem e querem algo mais íntimo, mas não tenho coragem e sei que posso manter um blog com a minha cara sem mostrá-la.
Esta semana aconteceu algo que realmente me assustou muito e me deu certeza de que devo continuar preservando a minha privacidade.
Participo de um grupo que troca cartas com um grupo que começou no Brasil. Entrei neste grupo porque gosto muito de escrever e receber correspondência que não seja apenas contas no correio. Pois bem, antes de dar o meu endereço decidi abrir uma caixa postal no correio próximo da minha casa, porque né gente, se eu não gosto de compartilhar histórias sobre a minha vida na internet, muito menos iria colocar o meu nome e endereço real numa lista de correspondência para um monte de estranhos. Principalmente porque vivemos na época de Google maps onde você pode ver exatamente a casa, o bairro onde a pessoa mora - ( abrindo parênteses pra contar uma história engraçada... quando o Google estava fazendo o mapeamento em São Paulo, meu pai estava em frente da casa da minha mãe então quando bate uma saudade dele, só colocar no Street View o endereço da minha mãe que eu não só vejo a minha antiga casa como vejo o meu pai! Claro que eles embaçaram o rosto dele, mas quem o conhece o identifica! - fecha parêntesis).
Pois bem, comecei a trocar correspondências principalmente com pessoas no Brasil e sei que a curiosidade é muito grande pra saber como é a vida aqui, mas olha, eu não moro em Beverly Hills e todos aqueles filmes e idéias de vida californiana que passam nos filmes e seriados passam de longe com a minha realidade... maaaas, algumas pessoas ainda acreditam que eu tenho uma piscina de dinheiro igual o Tio Patinhas na minha casa, saio dirigindo Ferrari e viajando de jatinho particular por aí ou então tomando suco a beira da piscina da minha mansão...
Esta semana recebi duas cartas de uma mesma pessoa que me deixou de cabelo em pé. Como os correios estavam de greve a primeira carta datava de abril e a segunda de maio.
Já havia me correspondido com essa pessoa anteriormente, recebi uma carta dela ano passado e havia respondido, a pessoa estava passando por problemas de saúde e depressão e escrevi uma carta dando palavras de apoio e tal.
Na segunda carta que ela me mandou, pediu o MEU TELEFONE pra adicionar no whatsapp e trocar emails. Bom, dei uma cortadinha de leve dizendo que entrei no grupo de cartas para trocar CARTAS e que preferia que mantivéssemos correspondências assim.
Voltando às cartas que recebi nesta semana, a primeira era uma carta de umas 5 páginas dizendo que ela tinha ficado chateada mas que entendia que eu não passaria informação pessoal, aí contou a história da vida dela, dos problemas de saúde, só que a carta começou a ficar muito confusa, as histórias misturadas e aí ela falou que estava ficando surda por problemas de saúde, mas não queria usar aparelho auditivo que teria que fazer um tratamento caro pra não ficar surda de vez e que tinha tentando fazer uma vaquinha online só que ninguém tinha visualizado a página dela - AGORA PASMEM - aí ela pediu pra EU abrir uma página pedindo dinheiro pra ajudar no tratamento dela na página GoFundMe, que é um site onde pessoas contam suas histórias e pedem doações só que o dinheiro é apenas depositado em alguns países da America do Norte e Europa, então ela precisava de alguém que morasse nos EUA pra receber o dinheiro e mandar pra ela e que se eu fizesse isso poderia ficar com uma porcentagem da doação...
Ela disse que entenderia se eu não quisesse abrir a conta, mas que ela sem tratamento iria ficar surda e que depois me mandaria mais detalhes pra abrir a página e mandou o email dela.
Meu, sério que fiquei um tempo sem saber o que fazer. Eu fiquei imaginando o desespero da pessoa pra me mandar uma carta destas, mas ao mesmo tempo comecei a pensar se era realmente verdade o que ela estava falando e dei graças a Deus que ela não tinha o meu endereço e nome verdadeiro ( eu uso o nome de solteira neste grupo), porque se eu quisesse responder, ela nunca poderia me achar.
Confesso que fiquei com dó mas joguei a carta no lixo, eu simplesmente não ia responder nada até que dois dias depois chegou a segunda carta dela contando como ela estava ficando surda e que iria se matar se ficasse surda mesmo porque senão não conseguiria viver desta forma.
Meu, que desespero senti... não tem jeito acabo me envolvendo demais e eu me importo com a dor das pessoas, ainda mais quando alguém fala em suicídio. Por experiência própria eu sei que a maioria das pessoas que falam em cometer suicídio não estão brincando... e eu não queria ser responsável por uma tragédia (to falando que me envolvo demais?!).
Então eu sentei, pedi sabedoria pra Deus e respondi a carta dizendo que não poderia ajudar abrindo a página por questões práticas - teria que colocar meus dados bancários e burocráticos - como eu iria enviar o dinheiro para o Brasil?, mas também dei palavras de apoio e sugestão para procurar ONGs e até mesmo o hospital da USP para recursos para fazer tratamento.
Meu marido disse que não deveria escrever nada, mas não podia não fazer nada... então fiz o que era possível e torço para que esta pessoa encontre ajuda que precisa.
Só que com esta história veio a certeza de que eu não estou errada em me proteger não divulgando informações pessoais e queria só compartilhar esta história para dizer que nem só de gente boa e com bom senso está este mundo de internet... pra gente tomar cuidado o que fala e escreve por aí, nunca se sabe quem lerá e o que fará com as informações que colocamos por aí.